terça-feira, 31 de março de 2009

Persecução criminal e o ciclo completo

Por Sidney Juarez Alonso

Estamos às voltas com mais um anseio da Polícia Militar, que, depois de resolver todos os problemas de controle da criminalidade, baixando os índices a zero, através de um serviço de patrulhamento versátil e eficiente que consegue impedir a ocorrência de todos os crimes antes que o criminoso o cometa, que se refere à assunção da atividade de Polícia Judiciária que por mandamento constitucional, incumbe à Polícia Civil e à Polícia Federal, sob o pretexto de que haveria um grande aproveitamento humano, na medida em que os policiais militares teriam conhecimento dos fatos desde o seu nascedouro e não perderiam tempo apresentando as ocorrências nas Delegacias de Polícia, como ocorre atualmente.

Com todo o respeito, referido argumento se perde na sua própria essência, na medida em que se fosse aceito, teríamos que sustentá-lo também em relação à ação penal, que se inicia, na sua maioria, pelo trabalho realizado pela Policia Judiciária.

Se pensarmos no futuro, levando-se em conta a efetivação do ciclo completo, logo nos veríamos à volta com outro pleito da Policia Militar que, inconformada com a realização de todo o trabalho de Policia Judiciária, sustentaria que deveriam também oferecer a denúncia, pois não se justificaria o órgão realizador de toda a investigação, conhecedor dos fatos desde o seu nascedouro, entregar tudo para o promotor de justiça que ainda iria analisá-los para só depois decidir, pela sua convicção pessoal, se seria caso de oferecer denúncia ou arquivar todo aquele trabalho arduamente realizado.

Continuando a pensar no futuro, logo teríamos também a Polícia Militar inconformada com o atendimento da ocorrência, realização do serviço de polícia judiciária, oferecimento da denúncia, acompanhamento do processo como parte e depois de tudo isso, tendo que entregar todo o trabalho a um juiz que decidiria dentro do princípio da livre apreciação das provas ou da persuasão racional, absolvendo o réu que deu tanto trabalho para ser identificado. Também teriam que assumir a função de julgador, pois só então o “ciclo estaria completamente completo”.
Mas ainda assim, teríamos os recursos levados aos tribunais…., e o ciclo ainda não estaria completo.

A nossa Constituição Federal prima pela supremacia dos direitos individuais e estes princípios atuam diretamente sobre o processo penal.

O nosso sistema legal é perfeito do ponto de vista de controle dos direitos individuais da pessoa, principalmente porque a persecução criminal é fracionada e cada parte da atividade se submete à seguinte, de modo que uma seja “fiscalizada” pela outra, impedindo a ocorrência de excessos prejudiciais à integridade física e aos direitos da pessoa humana.

A Polícia Militar atua no combate direto ao crime e submete o criminoso à atividade de Polícia Judiciária que tem, na figura do delegado de polícia, a incumbência de analisar a legalidade do procedimento adotado pelos policiais militares no tocante ao emprego da força necessária, funcionando como um freio capaz de evitar abusos, equacionando, de modo imparcial, o enquadramento jurídico da conduta ilícita eventualmente praticada pelo suspeito. Não pode a autoridade policial simplesmente aceitar os fatos como lhes forem apresentados, homologando-os conforme a vontade do miliciano. Na garantia do devido processo legal, deve analisá-los sob o ponto de vista penal e processual penal e tomar a decisão que melhor se adequar ao direito, impedindo prisões ilegais e desvios de poder. Quando exerce tal atividade, precisa estar distante do combate direto travado entre o autor do delito e o direito por ele violado. Esta decisão não pode ser tomada pela mesma pessoa que prendeu ou atendeu a ocorrência ainda no seu clamor público.

Por outro lado, a atividade de Polícia Judiciária se submete à atividade jurisdicional que, em um primeiro momento, tem na figura do promotor de justiça, o fiscal da lei. Recebe o inquérito policial e controla a sua legalidade para impedir que o delegado de polícia seja condescendente, aceitando como legais, condutas prejudiciais ao direito. Se a atividade do delegado de polícia estiver de acordo com a lei, decide pelo arquivamento ou pela denúncia, submetendo a ação penal ao crivo do Poder Judiciário que o julgará.

Ainda nessa fase, julgado o processo, poderão as partes submetê-los ao conhecimento da instância superior que analisará a decisão do magistrado e, se for o caso, a reformará para adequar o caso real ao Direito.

Dentro desta sistemática, que entendo perfeita, apesar de decisões equivocadas passíveis de ocorrer em qualquer sistema, nenhum elo da corrente deve submeter-se ao outro, exceto se a ilegalidade for latente e, nesse caso, aquele que comete a irregularidade deve ser submetido às penas da lei e não à vontade individual de qualquer profissional.

Não cabe ao policial militar questionar a decisão do delegado de polícia, como não cabe ao delegado de polícia questionar a decisão do promotor de justiça, este a do juiz de direito e assim sucessivamente.

A lei e a justiça devem ser o objetivo de cada profissional do direito e isso, s.m.j., vem sendo alcançado no dia-a-dia da Polícia, não sendo necessário atropelar o direito sob o pretexto de que a sociedade será beneficiada com a eficiência do serviço público.


Sidney Juarez Alonso é Delegado de Polícia em Jundiaí.


Artigo extraído do site da Adpesp.


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