segunda-feira, 13 de abril de 2009

Parece Velho Oeste, mas é Zona Oeste RJ: a Terra sem Lei

"- Pelo amor de Deus. Meu nome é Ana Paula Pereira da Silva. Eles tão aqui no meu portão."
O apelo desesperado é da comerciante Ana Paula Pereira da Silva, 29 anos, mulher do sargento reformado da Polícia Militar Airton Padilha de Meneses, 42. Com a voz em meio a lágrimas, ela pede socorro à atendente do sistema de emergências policiais, para quem ligava pela segunda vez naquela tarde de 14 de julho de 2008. Momentos antes, o sargento do Corpo de Bombeiros Carlos Alexandre da Silva, o Gaguinho, e os ex-sargentos da PM Francisco César de Oliveira, o Chico Bala, Herbert Canijo da Silva, o Escangalhado, e Alexandre da Silva Monteiro, o Popeye, 38, invadiam a residência onde o casal mora com os quatro filhos, em Inhoaíba, na Zona Oeste do Rio.
Acompanhados pelo delegado Eduardo Soares, então adjunto da 35ª DP (Campo Grande), eles espancaram o PM, que foi preso por porte ilegal de arma e acusado de pertencer à milícia conhecida como Liga da Justiça. Oito meses depois, o sargento Padilha foi absolvido pela Justiça e a gravação do diálogo mantido entre a comerciante e a atendente do 190 foi fundamental para a sentença. O CD foi anexado ao processo, de número 2008.205.022043-6, e o conteúdo dele está sendo divulgado com exclusividade pelo Jornal POVO do Rio nesta matéria.
Ao pedir a absolvição do policial, o promotor Juan Luiz Souza Vázquez enfatizou: “Neste ponto vale ressaltar que há um CD transcrito nos autos que deixa revelar a intensa participação de um agora ex-policial militar e, segundo a mídia, atual comandante de uma milícia denominada ´Comando Chico Bala´”. O que mais chama a atenção de quem escuta a mídia é o soco que a comerciante leva do delegado, no momento em que segura a filha caçula no colo. A criança, de 2 anos, começa a chorar e o desespero toma conta da mãe e de seus outros filhos, de 3 e 4 anos. O maior, de 6 anos, estava no colégio no momento do incidente.
Enquanto pedia ajuda pela segunda vez, a comerciante foi orientada a não desligar o telefone. Como é padrão do sistema, a conversa foi gravada e tudo que ocorria dentro da casa pôde ser acompanhado pelo promotor e pelo juiz Rubens Casara, da 2ª Vara Criminal de Campo Grande. Em um dos momentos mais tensos, a mulher do sargento reformado tentava esconder as crianças.
"- Eu vou pra debaixo da cama. Eu vou pra debaixo da cama. Mamãe tá aqui. Deram tiro no meu portão. Chega aqui, minha filha, vem cá. Eles deram tiro no meu portão. Vai em nome de Jesus, menina. Vai, minha filha. Vai pra debaixo da cama."
O advogado Iran Ramos, que defende o sargento Padilha, explicou que a gravação do 190 foi fundamental para que conseguisse a liberdade de seu cliente, que ficou 12 dias no Batalhão Especial Prisional (Bep), em Benfica, na Zona Norte do Rio.
“O delegado tinha alegado que invadiram a casa do meu cliente porque ele correu. Só que o Padilha foi reformado pela ortopedia, após levar um tiro de fuzil na perna, e não consegue correr. Os homens, que nem policiais são, forjaram o flagrante, plantando uma pistola 45 na residência dele e a gravação foi uma prova contundente em seu favor”, afirmou Iran.
Uma testemunha também foi importante para que o acusado fosse considerado inocente: o tenente Daniel Florentino de Moura. Lotado na 3ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (3ª DPJM), ele prestou depoimento e relatou arbitrariedades na prisão.
“Entrei em contato com o escrivão Valinote, na 35ª DP, e fui impedido de conversar com o PM, sem que me explicassem o motivo. Duas horas depois retornei à delegacia e só então consegui contato com o sargento, que estava muito machucado, com sinais de que havia recebido pancadas nas maçãs do rosto, no supercílio e no maxilar. Ele me contou os detalhes da ocorrência e disse que Chico Bala havia forjado o flagrante e que as únicas armas que tinha em casa eram particulares e estavam registradas. Ele sequer foi revistado, pois, já preso na delegacia, me entregou dois carregadores de pistola que estavam em seu bolso”, declarou, ao juiz e ao promotor.
Também em seu termo de depoimento à Justiça, o oficial relata que o PM reformado não foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) para que fosse feito o exame de corpo delito e que em momento algum o procedimento padrão foi respeitado.
“Eles ignoraram nosso pedido para que o procedimento padrão fosse seguido. No dia seguinte, assisti pela televisão o espetáculo midiático montado pelo delegado Marcus Neves. O normal é a Polícia Militar fazer a escolta até o Batalhão Prisional, mas no caso do sargento Padilha, foi o próprio delegado, acompanhado de jornalistas, que o levou até o Bep”, ressaltou.
Em entrevista ao jornal POVO do Rio, o sargento reformado Airton Padilha contou que foi obrigado a deitar no chão e algemado com as mãos para trás.
“Quem me deu voz de prisão foi o Gaguinho. Ele que estava sentado do meu lado no carro que era dirigido pelo Escangalhado e que tinha o Chico Bala no banco do carona. O delegado Marcus Neves estava uma viatura parada longe da minha casa, para impedir a aproximação da viatura da PM chamada pela minha esposa”, relembrou.
A proibição também foi registrada, em Talonário de Registro de Ocorrência (TRO), por uma equipe do Regimento de Cavalaria Coronel Enyr Cony dos Santos (RCCECS), antigo Regimento de Polícia Montada (RPMont), e anexada ao processo, que o juiz Rubens Casara leu antes de proferir a seguinte sentença: “A questão é simples: ilegalidade não se combate com ilegalidade. No caso em tela, as ilegalidades observadas na fase preliminar, dentre as quais destaca-se a participação na prisão do réu e na investigação do crime imputado de diversas pessoas sem a legitimidade constitucional para tanto, das quais derivam todas as provas produzidas neste feito, levam à necessidade de, em respeito ao Estado de Direito, declarar a improcedência da pretensão punitiva estatal”.
O delegado Eduardo Soares confirmou a participação de Gaguinho, Chico Bala, Escangalhado e Popeye na operação e alegou que Chico Bala “usou” a Polícia Civil. Já o delegado Marcus Neves, disse que Chico Bala se aproveitou de um espaço aberto na região com a prisão de integrantes da Liga da Justiça.

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